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12 Outubro 2016

"Utilizo na minha rotina profissional muito daquilo que aprendi no desporto"

Nº73 - OUTUBRO 2016





Como e quando é que se iniciou nas lides do andebol?
Comecei a jogar andebol com 11 anos. O meu pai tinha um restaurante e havia um cliente, que é treinador dos infantis da equipa ABC, que andava sempre a chatear o meu pai para me levar para o andebol. Dizia que era um bom desporto para mim porque já era um miúdo muito grande e forte para a minha idade. Eu, na altura, nem sabia o que era o andebol, nem quais eram as regras, nem como se jogava. No entanto, houve um dia, durante as férias, que fui treinar e gostei imenso. Foi aí que começou uma nova paixão na minha vida.

Esta modalidade foi a sua primeira escolha ou já tinha experimentado outras atividades desportivas?
Já tinha praticado outros desportos, como o futebol, a natação e o taekwondo. Os meus pais sempre tiveram a preocupação de me colocarem a praticar um desporto. Eram cientes de que o desporto era muito positivo para o meu crescimento, tanto social como para a nível da saúde. Sou uma pessoa que gosta muito de comer [risos] e todos os pais querem os seus filhos saudáveis.

Num país onde o futebol é (cada vez mais) o desporto-rei, como justifica a sua paixão pelo andebol?
Primeiro, tive a sorte de ir para um clube com muita tradição e envolvência e que tem uma grande preocupação com a formação de atletas: o ABC de Braga. Neste clube aprendemos desde muito novos os valores do respeito, da humildade, do trabalho, do sacrifício, e claro, o valor das vitórias. É considerada a melhor escola de formação do país, é um clube que ganha muitas vezes e que tem como lema “primeiro formar Homens, só depois atletas”. Os resultados estão à vista…
Depois, este desporto joga-se com muita intensidade, muita luta, muita estratégia e proporciona espetáculo e emoção aos adeptos, parâmetros com os quais sempre me identifiquei e que rapidamente me cativaram imenso para a prática deste desporto.
Em traços gerais, qual foi o seu percurso até chegar à primeira divisão desta modalidade, incluindo a sua passagem pela seleção nacional?
Fui um atleta que percorreu todos os escalões de formação do ABC, desde os infantis até chegar aos séniores. Desde muito cedo, comecei a jogar em dois escalões de formação ao mesmo tempo, o que me permitiu trabalhar e evoluir com atletas mais velhos, que muitas vezes eram referências e ídolos para mim. Isso foi fundamental para conseguir integrar, aos 17 anos, o plantel sénior e poder começar a dar os primeiros passos na primeira divisão.
Como jogava por dois escalões de formação, fui chamado à seleção nacional no primeiro estágio da nossa geração, com 14 anos. Desde então, percorri todos os escalões de formação pela seleção nacional; tive o privilégio de representar o nosso país em torneios e campeonatos europeus.
Já na primeira divisão sénior, joguei no ABC até aos 21 anos e depois tive a necessidade de mudar para o clube ISMAI, na Maia, para conseguir conciliar melhor a minha atividade desportiva com a faculdade. Após três épocas no ISMAI, e depois de ter terminado o curso de Medicina Dentária, ingressei agora num clube novo em Braga, o Arsenal da Devesa.

Como comenta o atual panorama da modalidade desportiva que pratica? Acha que devia haver mais divulgação e/ou mais apoios institucionais?
O andebol, como a maior parte do desporto em Portugal, não vive a situação mais desejada. Isto porque o país não se encontra na melhor situação económica, as empresas não apoiam os clubes, e estes não conseguem proporcionar as condições mais desejadas aos atletas.
Em Portugal só se dá valor ao futebol, quer nos apoios como na sua divulgação. Ainda o ano passado o ABC jogou uma final europeia e não houve qualquer transmissão televisiva. É uma situação lamentável. Neste país não existe cultura desportiva. Deveria haver mais apoios e divulgação de todas as modalidades desportivas, em particular no andebol, pois esta é a segunda modalidade mais praticada em Portugal.

Quais são as suas aspirações/metas para a temporada de 2016-2017 (e já agora para os próximos anos)?
Este vai ser um ano de mudança em todos os aspetos. Terminei recentemente o meu curso de Medicina Dentária e, de forma a poder iniciar a minha atividade profissional o mais rapidamente possível e com as melhores condições, optei por voltar para a minha cidade, Braga, e aceitar o desafio de jogar no recém-primodiviosionário Arsenal da Devesa. Este é um clube que fazia todo o sentido existir em Braga. Foi formado há três anos e já se encontra no patamar mais alto do andebol português. Vou voltar a jogar com amigos e colegas que partilharam comigo a formação no ABC, sendo que temos o grande desafio de conseguir manter este clube na primeira divisão e justificar que vale a pena ter dois clubes numa cidade que sente e aprecia o andebol.
Em termos individuais, quero fazer um bom e regular campeonato, de modo a poder continuar a evoluir e manter as aspirações de poder jogar num clube com objetivos de lutar por títulos. Como qualquer desportista, o que ambiciono é ganhar títulos.

Que momento(s) mais marcante(s) guarda na memória, até à data, da sua carreira no andebol?
Os momentos mais marcantes são sempre as finais, os títulos e as estreias. Nesse sentido, poder ter representado o meu país num europeu foi algo que me marcou imenso.

Num momento em que Portugal tem vindo a destacar-se a nível internacional em diversas modalidades – como o futebol e o hóquei em patins –, acha que também podemos esperar um futuro promissor no andebol?
Penso que sim. Em termos de clubes, o andebol tem conseguido atingir resultados muitíssimo bons. O ano passado tivemos uma final europeia portuguesa, em que o ABC ganhou ao Benfica, e nos últimos anos o campeão português tem conseguido a presença na prova máxima de clubes, a liga dos campeões. No entanto, a seleção de Portugal há muito que espreita um lugar nos eu­ropeus e mundiais da modalidade. Acho que estamos cada vez mais perto, ainda que a última qualificação tenha sido um fracasso. Ou seja, neste momento Portugal tem um grupo de gerações muito boas, que começa a colocar atletas a jogar nos melhores campeonatos europeus, podendo adquirir a experiência e a qualidade ne­cessárias para colocar o andebol português nas grandes competições internacionais.
Paralelamente à carreira desportiva, optou pela área da Medicina Dentária. Como justifica esta escolha e o que mais o atrai nesta profissão?
Hoje em dia, e com a atual conjutura económico-desportiva do país, existe (ou deveria de existir) cada vez menos o chamado “atleta profissional”, ou seja, os mais jovens sentem cada vez mais a necessidade de conjugar o desporto de alto nível com uma carreira escolar de sucesso, preservando o seu futuro profissional. Nesse sentido, a Medicina Dentária sempre me chamou particular atenção. Além de estar relacionada com a saúde, é uma área com uma enorme componente prática e com a qual me identifico. Por outro lado, sempre dei imenso valor ao sorriso e aos dentes, por tudo aquilo que transmitem: felicidade, simpatia, bom humor, etcétera.
Além disso, ambas as vertentes podem conjugar-se, como por exemplo através do uso dos protetores bucais pelos atletas do desporto de contacto. Este ano tive o privilégio de efetuar uma monografia de investigação em conjunto com o laboratório Ortolab, que permitiu concluir a necessidade de promoção e divulgação dos benefícios do uso deste dispositivo. Nesse sentido, e como também uso o protetor bucal, irei promover o seu uso, já que faz todo o sentido na prevenção de traumatismos orofaciais.

É difícil conjugar a sua atividade desportiva com a rotina diária profissional?
Sem dúvida que conciliar ambas as vertentes é um desafio, no entanto, é muito gratificante. A Medicina Dentária e o desporto são áreas muito diferentes, mas com princípios semelhantes. Temos que saber trabalhar em equipa, ter objetivos, método, dedicação e saber lidar com a pressão. Julgo que com uma vontade muito grande e uma boa organização, tudo é possível. No fundo, acredito que o desporto nos prepara melhor para os desafios da vida. Por isso, durante o curso e agora na minha rotina profissional utilizo muito daquilo que aprendi no desporto. Também considero que as pessoas devem ter um escape à sua vida profissional e familiar. Nesse sentido, acho que o desporto é fantástico, ainda para mais quando é algo de que gostamos imenso.

Tem preferência por alguma especialidade da Medicina Dentária?
A especialidade da Medicina Dentária com a qual mais me identifico é a área da reabilitação oral. Durante o curso, tive a oportunidade de realizar alguns trabalhos de alguma complexidade e dificuldade nesta área, com o acompanhamento de professores de enor­me qualidade e conhecimento, que me despertaram imenso interesse neste domínio.
Esta vai ser certamente uma área em que eu vou querer investir e praticar, por toda a sua complexidade, por toda a transformação que proporciona na vida do paciente e pelo facto de haver a necessidade de ter imensos conhecimentos e prática em diversas áreas, como a cirurgia oral, a prótese fixa e removível ou mes­mo a periodontologia.
Na sua opinião, quais são as principais dificuldades que enfrentam os médicos dentistas em fase inicial de carreira?
A principal dificuldade, como toda a gente sabe, é iniciar precisamente essa carreira. Em Portugal existem médicos dentistas a mais, concentrados em demasia nas grandes cidades, o que torna difícil dar oportunidades aos recém-licenciados. É um panorama extremamente frustrante para os jovens médicos dentistas que, face a este cenário, tomam cada vez mais a iniciativa de emigrar. Por outro lado, os jovens médicos dentistas sentem que, cada vez mais, há a necessidade de ter uma formação melhorada, para assim poderem ter mais opor­tunidades e proporcionarem tratamentos de confiança e qualidade.

Que opinião tem da oferta existente em termos de formação continuada/pós-graduada?
Neste capítulo, penso que temos uma boa oferta e de grande qualidade. No entanto, a dificuldade maior é em termos orçamentais. Como sabemos, a maior parte destas formações são privadas e com orçamentos exurbitantes. Perante a atual dificuldade profissional dos mais jovens, tornam-se praticamente impossíveis de frequentar. Por vezes, fazem-se formações em Portugal seme­lhantes em termos de programa e qualidade às formações estrangeiras, mas mais caras. Na minha opinião, isto não faz sentido. Também considero que as formações nacionais deveriam privilegiar mais a componente prática em pacientes, algo que é fundamental na nossa profissão, sem descurar naturalmente a parte teórica.

Apesar da sua forte ligação ao andebol, já equacionou a possibilidade de procurar outras paragens (além-fronteiras) em termos profissionais?
Claramente que sim, principalmente em termos de formação. Como referi anteriormente, os jovens médicos dentistas têm imensa dificuldade em iniciar a carreira e, por vezes, iniciam-na com condições pouco cativantes. Perante este cenário, claro que equaciono a possibilidade de procurar uma melhor situação profissional. No entanto, tudo farei para conseguir crescer e exercer no meu país, lutando por conseguir ter o meu espaço e o devido reconhecimento.

Em termos globais, quais são as suas expectativas relativamente ao futuro da Medicina Dentária nacional?
Acho que o futuro da Medicina Dentária nacional está bem entregue. Sinto que estas novas gerações têm muita necessidade de afirmação, que procuram formar-se e praticar uma Medicina Dentária de qualidade e com impacto. Sou uma presença assídua em muitos congressos portugueses e fico maravilhado com os casos clínicos apresentados. Penso que, com o acompanhar da tecnología e materiais, iremos praticar uma Medicina Dentária com relevo, sendo os nossos pacientes os mais beneficiados.
 

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